QUESTÃO DE PELE
O italiano Francesco Lucchese fala sobre revestimento como elemento capaz de encantar e dar personalidade
O arquiteto Francesco Lucchese (Foto Reprodução)
Arquiteto e designer, Francesco Lucchese, siciliano radicado em Milão, acredita que olhar para o passado continua sendo a maneira mais eficaz de se antever o futuro. "Mesmo materiais novos se tornam mais interessantes quando incitam nossa memória", afirma ele, que além de atuar em escritório próprio em Milão, ensina design no prestigiado Instituto Politécnico.
“Meu objetivo maior é estabelecer um diálogo entre meus projetos e seus consumidores. Fazer desse contato uma experiência verdadeiramente interativa", diz Lucchese, para quem o componente sensorial ocupa lugar chave em todo e qualquer projeto. Assim como a ênfase dada ao desenho das superfícies, ou, em suas palavras, à pele dos objetos.
Para o estande da Revestir 2011, desenvolvido a convite do Instituto Italiano para o Comércio Exterior, ele optou pelo branco absoluto e por trabalhar com fios como divisórias. "Eles convidam ao toque e despertam a curiosidade, sem impedir a visão do todo", comenta o arquiteto a respeito do projeto para o pavilhão italiano, na feira que aconteceu em São Paulo na semana passada. Lá, em meio a mármores e cerâmicas, dois dos materiais que mais emprega, ele falou ao Casa.
O senhor já afirmou não ver uma grande distinção entre as atividades de vestir e revestir. Explique essa ideia.
As mesmas considerações que envolvem o vestir envolvem o revestir. Nas duas atividades coexistem, por exemplo, a necessidade de proteção e conforto. E também desejos comuns, como o de produzir encantamento e sugerir elegância. Acredito, porém, que, em se tratando de arquitetura, a ideia da memória é particularmente importante. Não podemos tratar uma fachada como um objeto isolado, ao contrário do que acontece ao decorarmos nosso quarto. Seria uma postura por demais totalitária.
Quais fatores devem ser observados ao se trabalhar na escala da arquitetura?
Antes de escolher um revestimento, captar o contexto em que o edifício está inserido é fundamental. Penso que, nesses casos, a criação deva sempre estar ancorada na tradição. Materiais como o mármore e a cerâmica podem ser empregados de maneira totalmente inovadora e ainda assim conservar sua identidade. Funcionar como um elo entre o passado e o presente.
Cite um exemplo disso na prática.
Ocorre-me um biombo feito pela espanhola Patricia Urquiola com anéis de mármore interligados por ganchos metálicos. Uma peça capaz de transitar entre dois mundos distintos: o da solidez do mármore e o da suavidade do tecido. Uma maneira nova de utilizar um material ligado à nossa memória. A própria cerâmica - tão antiga ou mais - pode renascer quando submetida aos atuais processos de impressão e corte.
No Brasil, muitos arquitetos ainda se mostram resistentes a revestimentos externos de alto impacto visual. Na maioria dos casos, a neutralidade é preponderante no que se refere a cores e texturas. Entre seus clientes eles são bem-vindos?
Antes fossem (risos). É sempre uma questão delicada. Preciso convencê-los de que o revestimento é parte essencial da linguagem que pretendo imprimir a meu trabalho e não um elemento aleatório. Costumo citar como exemplo um tapete antigo. Por mais decorativo que pareça, seu desenho traz complexas relações. E é isso que faz dele algo tão especial. E único.
Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo
Reportagem de Marcelo Lima